quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Carta à alma de Cecília

Cara Cecília,

Logo na primeira linha, vi-me a indagar como deveria direcionar-me a ti. Pensei no coloquial "Querida", mas a idéia de achar-me insana, por tratar-te de forma tão íntima, alertou minha prudência. Então, lembrei-me de "Esplêndida", mas se, por algum momento, viesse a chamar-me mentalmente de "puxa-saco", chegaria a ferir-me mesmo que eu própria não sentisse. Escolhi, enfim, o "Cara" por ser rebuscado e não tanto formal, contudo, explicações eram necessárias para que não me imaginasse insípida.
O fato é que resignei minhas palavras, temendo que não fossem adequadas. Entenda: é difícil escrever para tão grande escritora brasileira sem temer falhar, ainda mais quando trata-se da minha escritora favorita. Sim, é minha escritora favorita.
Identifiquei-me, à primeira vista, com o primeiro poema de sua autoria que tive contato: "Retrato". Tinha 15 anos. Nunca esquecerei as palavras que, naquele instante, espelhavam exatamente a minha alma, digna de uma adolescente mutante.
Aos poucos, fui descobrindo seu legado, as "Noções" que se formavam em sua "Atitude". A "Gargalhada" do seu "Discurso" encantou-me. Entendi: o efêmero e o eterno sempre irão diferenciar-se. 
E assim pude ver o "4º motivo da rosa" que traz a "Reinvenção" do "Noturno" luar "Depois do Sol". Veja, portanto, o "Motivo" da minha "Timidez" inicial... Esplêndida ainda é pouco para você.
Espero que aprecie esta carta. Enderecei-a a sua alma, pois sei que em espírito ambas acreditamos.
E findo-a com o poema que, há muito, tornou-se meu preferido e com o singelo agradecimento dessa sua admiradora, que sempre vê-se explicitamente implícita nas entrelinhas de seus versos.


Retrato
 
"La reproduction interdite" de René Magritte 
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
 

 E no fim, "É preciso não dizer nada". A poesia fala por si.





Nota: Caro leitor, no texto há palavras destacadas em aspas e em cor diferente do restante escrito. Estas palavras são links de poemas da escritora Cecília de Meireles com os mesmos nomes, assim como as três fotografias no rodapé deste blog. Clique e aprecie-os.  

3 comentários:

  1. Cecília é uma mulher incrível, me faz mergulhar na alma e repensar certas convicções... Muito bom este blog! Parabéns Taís! ;D

    ResponderExcluir
  2. Obrigada, Thu!
    Realmente, incrível é a palavra certa.
    Seus poemas espelhavam a alma humana, explorando os mais diversos assuntos.
    Sua versatilidade é evidente. Cecília não era apenas escritora, era, principalmente, educadora!

    ResponderExcluir
  3. Taís, é fato que não tenho intimidade com as obras de Cecília. Entretanto, após contemplar este "blog", fiquei curioso! Parabéns pela sua criatividade, sua linguagem e, principalmente, sua sensibilidade. João Laerte.

    ResponderExcluir